quinta-feira, 30 de outubro de 2014

soltando impropérios contra os resultados das eleições



Cara pessoa,

Você que está aí, neste momento, soltando impropérios contra os resultados das eleições, chega mais: queria te dizer umas coisas. Você não sabe, mas atualmente você está, pela primeira vez, experimentando os incômodos de ser a oposição. Durante muitos anos você esteve na situação e ninguém te vencia. Você não aprendeu a perder. Dói, não é? Mas a vida é assim mesmo. Saber lidar com a derrota é um processo que exige calma, humildade e educação. Vivemos num país que aprende pouco a pouco a ser democrático. E numa democracia, embora você não tenha aprendido em casa (pelo menos parece não ter aprendido), prevalece a vontade da maioria.


Houve chances de acontecer exatamente o contrário (já que ao final, tivemos que escolher entre apenas dois candidatos): o seu lado venceria e o nosso ficaria ao deus dará. Sofreríamos também. Mas eu acredito que não estaríamos tão nervosos quanto vocês. Sabe por quê? Porque aprendemos desde cedo o sabor da derrota.

Nascemos num país opressor. De 1500 a 1808, o Brasil era uma colônia de Portugal. Nada do que saía daqui era para nós. Vivíamos num país exuberante, mas nada era nosso. Depois, veio a família real e ela soube impor do mesmo modo sua autoridade, sua violência, seus impostos. Em 1822, dizem, o país se tornou independente. Não porque houve uma revolução, mas porque o próprio filho do rei assim quis. Então, o brasileiro continuava não decidindo seus próprios rumos. Faça as contas: de 1500 a 1888 (388 anos), quem trabalhava de verdade nesse país o fazia sob chibatadas. E esse regime trabalhista acabou, não porque os escravos se rebelaram, mas porque a filha do rei assim o quis. O decreto da princesa teve consequências. E no ano seguinte, nos tornamos uma república. Não porque houve lutas pelo fim do império, mas porque pessoas como você, que sente que está perdendo seu privilégio de prevalecer sobre os outros, decidiram que o rei já não era um bom negócio. E o expulsaram do poder.

Começou então um sistema político comandado por coronéis, que definiam quem iria praticar a tal da "alternância de poder". Eu e meus amigos, se vivêssemos naquele período, morreríamos lutando para mudar as coisas. Porque aquele era um sistema muito autoritário. Tão autoritário quanto você, que não aceita divergências. Mas um dia, um senhor esperto foi lá e deu o golpe. Eu sei que você teve educação, que estudou nas melhores escolas, então você sabe o nome do ditador mais amado do Brasil, que governou o país durante 15 anos e ainda foi eleito novamente alguns anos depois. Foi ele que fundou a sua tão amada Petrobrás, sabia?

Os anos democráticos pós 1945 não foram nada fáceis. Isso porque o brasileiro não aprendeu a viver bem nesse sistema. Mas durou uns bons anos. Poucos anos a menos que os que estamos vivendo no momento atual. de 1945 a 1964, as pessoas podiam votar. E votava-se no presidente e no vice. Eles não formavam necessariamente a mesma chapa. O povo escolhia um e outro, separadamente. Acontece que pessoas como você, cara pessoa que lança seus impropérios contra o processo democrático que se concluiu ontem, dia 26 de outubro, saíram às ruas pedindo intervenção militar porque morriam de medo da ameaça socialista representada por um homem chamado João Goulart. A marcha da família foi um dos passos decisivos para que houvesse o golpe militar. E assim começou aquele que foi o regime político mais cruel já vivido no país. Não era permitido falar, não era permitido que mais de 5 pessoas se reunissem em local público, não era permitido falar nada contra o regime. A censura foi apenas a faceta mais suportável do período militar. Naquela época, pessoas como eu e muitos de meus amigos, acabariam torturados, massacrados em porões escuros e, se possível, expostos em situação de humilhação pública. Você que defende o golpe militar, você não sabe do que está falando.

O regime militar brasileiro foi um dos mais duradouros da América Latina. Foram ao todo 21 anos. Quando acabou, não foi porque o povo finalmente pôde votar, mas porque alguns deputados o quiseram. Votaram contra ou a favor das eleições diretas. E aquelas eleições foram ainda mais acirradas que estas que você presenciou ontem. Ganharam as eleições diretas por um único voto de diferença. O povo assistia a tudo nas ruas. Não acredito que os políticos se sentiam ameaçados por algum tipo de insurgência. As manifestações eram feitas por pessoas que aprenderam a tentar, tentar, tentar e quase nunca conseguir. Pessoas que sonhavam com o regime que viria somente 4 anos depois.

Aí sim, pudemos votar em paz. Demorou 489 anos. Mas mesmo assim não foi fácil. O brasileiro não sabia escolher. O primeiro presidente eleito pelo voto direto foi tirado do cargo à força, como você bem se lembra. O impeachment de Fernando Collor de Melo nos obrigou a ser governados por Itamar Franco, e o brasileiro não sabia que havia votado também nele.

Hoje já contamos 25 anos de regime aparentemente democrático. E ainda não aprendemos a escolher. Não sabemos que deputados e senadores são tão importantes quanto o presidente da república. Achamos até hoje que todo governante pode fazer o que bem quiser. Não entendemos o sentido de ter 3 poderes. Em alguns governos, como o do nosso mais recente ex-candidato mineiro, forças ocultas (dinheiro por baixo dos panos) fazem com que os outros dois poderes sejam servis ao executivo. Mas dito assim, talvez você não compreenda.

Me desculpe pensar assim, cara pessoa. Tenho motivos para achar que, por mais estudos que você tenha tido, você não sabe discernir as coisas. Senão vejamos:

O que te incomoda no governo atual, todo mundo sabe: a corrupção. Mas se te pressionamos, acabamos descobrindo que não é qualquer corrupção que te incomoda. Somente a corrupção petista te causa revolta. A corrupção dos outros todos te parece natural. Você poderia, no lugar de demonstrar tanto ódio, expor para nós o quanto você mesma ou mesmo é uma pessoa repleta de probidades e honestidades, mas no lugar disto, nos assusta com palavras senhoris. Ouço você dizendo: "puta, vagabunda, leviana" (https://www.facebook.com/video.php?v=865037350187374), como se ser mulher implicasse em obedecer ao poder de algum macho. Como se vender o corpo fosse algo menos ignominioso do que agredir os outros, como você faz. Você diz: "nordestino ignorante, não sabe votar". Como se você mesmo soubesse fazer isso. Como se a sua verdade fosse superior à nossa. Você nos assusta com o que diz. Nos ameaça.

Você nos informa que haverá uma ditadura bolivariana comunista neocubana. Nós ficamos aqui meio bagunçados com esses termos, tentando entender o que é que isso quer dizer. Mas veja, Cuba é hoje um país em crise. Pobre e repleto de dificuldades, ao passo que o Brasil é reconhecidamente uma potência em ascensão. Eu sei que você já sabe disto, afinal, você tem dinheiro e já viajou muito para Miami, para a Europa. Você sabe como o mundo tem se interessado cada vez mais pelo Brasil. E se isso te consola, um governo que incentiva tanto o consumismo não tem a menor chance de se tornar socialista. Ou você não sabe que num regime comunista, uma das primeiras coisas que deixa de existir é a propriedade privada? Se tem uma coisa que (se eu disser infelizmente, isso te assusta?) não vai ser tocada é aquilo que é seu.

O Brasil é hoje a maior liderança econômica da América Latina. Há muito mais chances da Venezuela se brasilizar, do Equador, da Bolívia se brasilizarem, do que o Brasil venezuelar. Então, pode ficar tranquila, cara pessoa, quanto a isso.

Provavelmente, seu candidato perdeu muitas das chances de vencer nessas eleições exatamente por causa de você. Porque você cospe na direção das pessoas, porque você se sente mal quando tem que dividir lugares que você sempre achou que eram de luxo, quando não passavam de lugares que eram direito de todos: o avião, a universidade, o asfalto, a livraria. Você não gosta que sua empregada tenha os mesmo direitos que você. (E o que ela te fez para merecer isso?). Você assustou e continua assustando todos nós com suas ameaças.

Aprenda, querida pessoa, que estamos numa democracia. Se você acredita nos seus ideais, continue lutando por eles. Não desista. Mas não tire isso que custou tanta vida e tantos séculos para existir nesses trópicos. A democracia é o poder do povo. Eu sei que você estudou a etimologia dessa palavra na escola. Eu sei que você entende o que estou dizendo.

Nós, uma maioria não muito maior do que a da sua turma, conseguimos fazer prevalecer o nosso voto de confiança nessa pessoa que nos governa hoje. Só uma vez mais nós demos esse voto de confiança. E você, que é uma pessoa educada, vai respeitar. Eu sei que vai.

Um beijo carinhoso,
do Leo.

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