Aldo Fornazieri*, especial para o blog
A maior parte dos jovens que protestam nas ruas de São Paulo, e de outras cidades, contra o aumento das passagens dos transportes públicos, ao contrário do que muitos pensam, não está sendo movida por sonhos idílicos da construção de uma nova Comuna de Paris, da tomada de uma Bastilha ou do Palácio de Inverno dos Czares. Nem mesmo pensam na tomada do Palácio dos Bandeirantes.
O que os move é algo bem mais prosaico e trágico, mas com certeza, não com menos sentido. O que os move é a tragédia da vida urbana que lhes impõe uma alta dose se sacrifício e lhes rouba parte importante do tempo de suas vidas em meio a milhões de carros, do veneno da poluição e de um transporte público marcado pelo empacotamento das pessoas, pela bolinagem degradante, pelo pisoteamento e sufoco de ônibus, trens e metrôs superlotados.
Os jovens de classe média baixa são movidos pela angústia de dormir pouco, de ter que chegar na hora certa no trabalho, de sair do trabalho e chegar na hora certa na faculdade ou na escola. O trânsito e a tragédia do transporte público fazem com que a conta do tempo não feche. São esses jovens, que precisam trabalhar, estudar, se divertir e dormir, o principal alimento dos protestos. Se se fizer um confronto de contas tendo de um lado a qualidade do transporte público que é oferecido e, do outro, o valor da passagem, o tempo perdido e o quanto é desagradável andar de ônibus, metrô e trem, os protestos são mais do que justificáveis. O espantoso é que não tenham ocorrido há mais tempo.
Ninguém é a favor das depredações e violência em protestos, claro. Mas nos acontecimentos do dia 13, o que se viu foi a violência da polícia de São Paulo, enquanto os jovens gritavam “violência não”. Assim, tratá-los como baderneiros e vândalos é de uma cegueira política sem inqualificável ou um ato deliberadamente interessado de conservadorismo ideológico.
Dizer que eles não “valem 20 centavos”, além de desumanidade, representa interditar qualquer fé na esperança e no futuro. Pois diante da pasmaceira e da mediocridade que a política brasileira vive neste momento histórico, os protestos, mesmo que muitos duvidem de que representem algum sentido, são um sopro renovador e uma advertência de que muitas coisas neste país não vão bem.
O fato é que os palácios governamentais e as Câmaras Legislativas precisam ser acossados pelo rumor das praças e das ruas para que seus ocupantes despertem e percebam que o Brasil ainda é composto de uma sociedade que tem demandas urgentes. Os governantes precisam descobrir que devem dar respostas urgentes e que a degradante acomodação não pode continuar tomando conta do poder público. Os governantes estão lá para solucionar problemas, não para justificar sua perpetuação.
Ser “classe C” no Brasil não é uma benesse. É ter uma vida de dificuldades e sacrifícios. Ninguém pode estar satisfeito ou feliz pelas parcas conquistas que foram alcançadas nos últimos anos em termos de redução da pobreza ou da desigualdade. O Brasil, no fundamental, ainda é um dos países mais desiguais do mundo e, por consequência, um dos países mais injustos do mundo. Ainda é um país onde os direitos e os serviços são negados a parcela importante da população.
O protesto contra o aumento das passagens, ademais, pode ser inscrito como um elemento dos novos movimentos sociais que surgem no século XXI. Dentre outros, trata-se de um movimento ligado às questões urbanas. A natureza essencial deste movimento não pode ser vista nos 20 centavos de aumento, mas na tragédia da vida urbana, no caos da mobilidade e no sacrifício que as grandes metrópoles impõem ao viver humano. Não é por acaso que os grandes protestos da Turquia surgiram a partir do projeto de demolição do Parque Taksim Gezi, envolvendo um problema ambiental urbano. Movimentos ambientais, por moradia, por serviços eficientes, por espaços urbanos de convívio e de lazer, por transparência, serão típicos do presente e do futuro próximo e terão cada vez mais impactos sobre a política e o Estado.
Esses novos movimentos representam também um profundo questionamento às organizações partidárias tradicionais, principalmente as de esquerda, e a estruturas formais de representação como entidades estudantis e sindicatos. O fato é que enquanto muitos militantes estão aboletados nos palácios e em cargos burocráticos, as torrentes das mudanças históricas estão passando como furacões nas ruas e nas praças. Se estamos ainda longe disso no Brasil, que os protestos das passagens, ao menos, representem um distúrbio perturbador da ordem dos negócios partidários.
Nas sociedades complexas de nosso tempo, milhões de pessoas não se sentem representadas nos parlamentos, nos governos, nos sindicatos e em outras entidades. As representações tradicionais se insularam nas suas conquistas e nos seus privilégios, enquanto as novas lutas urbanas fervilham em movimentos mais espontâneos, na internet, nas religiões e em agregações em torno de necessidades pontuais.
Nós, das gerações mais antigas, não podemos olhar esses movimentos e esses jovens com os olhos carcomidos do conservadorismo. Temos que saber interpretá-los à luz dos novos espíritos do tempo. Se na sua espontaneidade eles não fornecem saídas redentoras, o fato é que nós também fracassamos e eles são filhos dos nossos fracassos. O mundo que a eles legamos não lhes é satisfatório e, em várias questões, devemos nos envergonhar. Se há movimentos nas ruas e nas praças, temos que vê-los como sinais de esperança, mesmo que pelos nossos critérios mais antigos, sejam movimentos inconsequentes. Mas quem garante hoje que os critérios de juízo do passado ainda são pertinentes? Que estes protestos não sejam, de fato, por 20 centavos!
*Aldo Fornazieri é Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
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