A ida a São Miguel não podia ter sido melhor. Tendo como guia Alcy Cheuiche um grande conhecedor aprendi muito sobre aquela civilização que encantou o mundo de então com seu elevado grau de humanidade e cultura. Quase vi recriado naquelas ruinas toda a beleza e grandeza do projeto comunitário missioneiro. Percorremos tudo que hoje nada mais são do que escombros e, graças à narrativa do guia, pudemos saber que ali onde havia agora apenas parte de um muro ou de uma parede ainda em pé era uma escola ou aposentos dos padres. O Cotiguaçu, o cabilde e todo o resto que compreendia a aldeia com as cabanas já não existem mais. O cemitério, por exemplo, ainda existia há pouco tempo até que um burocrata celerado resolveu passar a patrola e acabar com tudo. Para quem não sabe: O Cabilde era o lugar onde se reuniam para decidir sobre questões da comunidade. Era uma câmara de vereadores, cujo chefe era trocado anualmente por votos de todos, inclusive das mulheres. Os santos ocos em estilo barroco além de serem elementos de culto e adoração serviam para esconder tesouros, em eventual ataque de inimigos e, para minha tristeza, me deparei com a escada da cobra encantada (Adiante explico esta historia) interditada para turistas. O Cotiguaçu funcionava para acolher órfãos, velhos e inválidos. A bem da verdade, permanece em pé parte do muro que o rodeava. Da igreja, elemento central da comunidade, graças a uma obra de restauração e manutenção, foi possível admirar e perceber, no que sobrou, o quanto ela é e era uma visão impressionante. Fico a imaginar o espanto e o ar de admiração de alguém se deparando, nestes confins de mundo, em 1750, com aquela imagem seguida de toda aquela comunidade com em torno de 10.000 habitantes.
Esta imagem se sobrepôs, mas, felizmente, não eliminou, a que tinha na minha infânciaquando aqui vim. Esta permanece intocada tanto por pertencer a um mundo que pretendo nunca deixar de cultivar como porque mantendo estas lembranças de infância mantenho o olhar de criança que ainda consegue se maravilhar com o mundo e com as pessoas. Esta lá o guri que subiu, temeroso, as escadas que , diziam, eram habitadas por uma gigantesca jibóia, que tinha o tamanho da escada. Diziam mais: O óleo da grande cobra ainda estava marcado nas paredes escuras das paredes da escada que levava para a janela frontal. Para chegar nesta era preciso, além de subir as escadas, passar por um trecho perigoso constituído de um pequeno espaço que dava apenas para apoias os pés. Isto tornava mais excitante a empreitada. Quando se chegava à janela nós nos vangloriávamos, jubilosos, para os que nos viam lá debaixo. Muitos, a maioria, não se arriscava em passar um trecho de mais ou menos 2 metros em que se tinha de andar de costas e colado à parede e se ocorresse qualquer deslize o resultado seria catastrófico porque a distancia daquele frágil parapeito ao chão era mais de 10 metros.
Outra lembrança que sempre me foi cara diz respeito a existência de um túnel que interligava as Igrejas de São Miguel com as outras reduções. Tinha até um local que era indicado como a entrada e, se não me engano, ficava ao lado da igreja, contrário ao que ficava o cemitério, mais precisamente, onde eram os aposentos dos padres jesuítas. Nele havia, na época, uma grande figueira que foi plantada justamente para bloquear e esconder a entrada.
Os santos ocos que me assustavam antes por sabe- los habitados por entidades fantasmais de outros mundos e que segundo relatos fantasiosos, eram usados para assombrar os pagãos guaranis, nos contatos iniciais, que assim fascinados por uma voz saindo de uma imagem de madeira se deixavam converter. Ouvia todas estas historias com grande interesse que foi se desvanecendo com o passar do tempo. Creio que foi um interesse que ficou lá no fundo adormecido e que agora se acordou com outro chamamento mais racional, menos mítico, mas não menos interessante.
Jorge Alberto Benitz
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