domingo, 20 de fevereiro de 2011

Esquerda versus Direita - O que é ser de esquerda, hoje? 4

Anthony Giddens (Para além da esquerda e da direita, 1994), mentor da “Terceira Via”, tentou uma síntese superior entre o conservadorismo e o socialismo, os quais teriam sido abatidos pela marcha da globalização e a expansão da reflexividade social. O campo da política, assim, haveria se alterado e cedido terreno aos paradoxos do neoliberalismo. Sua sugestão para “repensar” o Welfare State (o Estado de bem-estar social) foi acolhida pelo primeiro-ministro britânico, e em nada diferenciou-se do receituário de Thatcher/Major. Tony Blair manteve a legislação que flexibilizava e desregulamentava o contrato de trabalho e, com cinismo, explicitou em um discurso a essência da Third Way: “flexibilização sim, mas com fair play”. O livro do sociólogo inglês mostra o quanto a esquerda desceu ao inferno no período, rendendo-se ao Consenso de Washington.

Coube a Norberto Bobbio (Direita e esquerda, 1994) defender a atualidade da díade política que remonta à Revolução Francesa. A esquerda teria como epicentro o valor da “igualdade” (as pessoas são mais iguais que desiguais, socialmente). A direita, o valor da “liberdade” (as pessoas são mais desiguais que iguais, naturalmente). A importância da reflexão, lançada numa época em que o capitalismo triunfante trombeteava o “fim das ideologias”, esteve em (re)legitimar a dualidade político-ideológica. O opúsculo do jurista italiano teve 200 mil exemplares vendidos e 19 traduções em um curto prazo. Como Fênix, o pássaro da mitologia grega, a esquerda renascia depois de assassinada pelas agências internacionais de notícias, que viram na queda do Muro de Berlim (1989) a domesticação da utopia e o desaparecimento da rebeldia e da esperança.

Mas o princípio da igualdade não exaure a conceituação sobre o que significa externar uma atitude anticapitalista. No final do século 19, ser de esquerda era lutar pelos direitos políticos e pelo sufrágio universal. Não mais que isso. Ao longo do século 20, outras bandeiras incorporaram-se ao (nosso) prontuário de lutas identitárias: as ações pelos direitos civis e sociais, contra o colonialismo e pela independência nacional, o combate à hegemonia imperial estadunidense, a equanimidade de gênero, as afirmações étnicas, o respeito às diferenças, a integração dos países latino-americanos, a inversão de prioridades na administração pública e, ainda, a democracia participativa, cuja inspiração acha-se condensada na máxima de que “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. A partir dos anos 70, surgiu a questão ecológica.

O perfil da esquerda sofreu uma mutação com o tempo, abrindo um leque complexo de temáticas, antes, desapercebidas. Quem nunca mudou foi a burguesia continental, que sempre opôs-se à distribuição de renda, à desconcentração das terras e à socialização do poder político e econômico. Aquela, desde priscas eras, reitera uma contrariedade ao pagamento de impostos. Não porque sejam regressivos ou recolhidos com critérios tributários que penalizam as classes trabalhadoras. Mas porque, com a ascensão de governos democrático-populares na América Latina, os fundos públicos são redirecionados por políticas republicanas à dignificação da vida da população. “Prefiro ser essa metamorfose ambulante / Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, cantava Raul Seixas. Isso, para preservar a coerência com a “justiça social” no enfrentamento à “ordem estabelecida”. Acrescente-se, no metafórico aniversário de 31 anos do PT.

Por Luiz Marques*.

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