sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Tutela militar - Está mais do que na hora de profissionalizar e subordinar as forças armadas brasileiras (FFAA)


Está mais do que na hora de profissionalizar e subordinar as forças armadas brasileiras (FFAA). Fazê-las desempenhar o papel que lhes cabe em uma sociedade democrática. Colocados sob o controle de civis desde a criação do Ministério da Defesa, os militares brasileiros ainda não se conformaram com a perda do protagonismo que detiveram durante séculos no país.
Historicamente, coube aos militares brasileiros moldar e configurar a Nação. Em um país onde o Estado se constituiu antes que a cidadania pudesse se estabelecer, foram as FFAA — inicialmente o exército, depois também a marinha e finalmente a aeronáutica – que incorporaram primeiramente o conceito de Pátria. Convenceram-se, a partir daí, que caberia aos fardados prover os civis da ordem e da disciplina típica das casernas, única forma de o país alcançar o progresso social.
Foi somente com a Guerra do Paraguai que o Brasil se constituiu como um país efetivamente unificado. Foi nesse momento que se constituíram também as FFAA brasileiras. Depois foi uma sucessão de golpes e contra-golpes: a proclamação da República, feita sem povo; os dois primeiros presidentes da República, militares que governaram sob Estado de Sítio: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto; o tenentismo, das décadas de 1920 e 1930; o contra-golpe de 11 de novembro de 1955, comandado pelo General Lott para possibilitar a posse de Juscelino Kubitschek; a Revolta de Jacareacanga, em 1956, e o Levante de Aragarças, em 1959, ambos contra JK; a tentativa de impedir a posse de João Goulart, em 1961, e que resultou na Campanha da Legalidade, comandada por Leonel Brizola; o golpe de 1964, a ditadura militar e a sucessão de cinco presidentes e de uma junta de três militares até 1985.
Pode-se dizer que foram anos da pré-escola democrática no país. O Brasil demorou a se reconhecer como uma Nação e os militares se esforçaram durante anos, certos ou errados, em criar uma Pátria.
Hoje o país começa a se reconhecer e se admirar. Os brasileiros cada vez mais se entendem como cidadãos, pela primeira vez em uma dimensão que passa a incluir o conjunto amplo da população e não apenas a pequena elite que, por séculos, dominou a maioria excluída. Ainda que haja corrupção em grande escala, há também eleições regulares e livres e a possibilidade crescente de punição política e até criminal dos que se locupletam no exercício dos cargos públicos. Já não há facilidade em encontrar justificativas para o exercício de qualquer tipo de tutela sobre o povo.
Não é admissível, portanto, que as FFAA se arroguem o direito de impor sua “disciplina” e sua “ordem” à população. Os excessos cometidos no Rio de Janeiro no domingo (4), quando soldados da Força de Pacificação do Exército entraram em conflito com moradores do Complexo do Alemão, não são admissíveis e não têm como serem justificados.  Os tiros de borracha, as agressões físicas e os ferimentos infringidos aos moradores são, no entanto, apenas uma faceta de uma postura que, lamentavelmente, ainda constitui o padrão de comportamento das corporações militares brasileiras.
Não é possível afirmar que foram jovens praças, pouco treinados, que cometeram “excessos”, que eles apenas “revidaram” as provocações que por ventura sofreram. Uma Força de Pacificação não pode aceitar provocações e nem pode ser pouco treinada! Nem se pode concordar que tenha sido uma postura excepcional. Contra esta desculpa, basta listar a tergiversação do Comando Militar de Santa Maria (RS) e a procrastinação na elucidação do caso do possível estupro de um jovem praça em pleno quartel militar naquela cidade, que o Sul21vem noticiando há meses.
Ainda no Rio Grande do Sul, há que se citar também a revolta dos Brigadianos, também eles militares, com a queima de pneus nas estradas para impedir o trânsito e exigir reajuste salarial. Por mais justa que seja a reivindicação (e, sem dúvida, ela o é, pois os policiais militares gaúchos são os pior remunerados do país), não é admissível que um braço militar da polícia se arvore o direito de transgredir a lei. Menos ainda se pode admitir que os oficiais superiores, além de não punir os infratores, aleguem que não têm como identificá-los. É o caso de perguntar: se eles não têm como identificar os insubordinados dentro de suas fileiras, terão como identificar criminosos nas ruas?
A raiz de todos estes males é a mesma. A concepção ainda reinante nas FFAA de que a sociedade brasileira necessita de tutela e que são os militares aqueles que devem exercê-la. A profissionalização das FFAA passa pela eliminação do serviço militar obrigatório dos jovens de 18 anos e sua substituição pelo recrutamento voluntário de jovens que ingressem na carreira militar por opção profissional e de vida, passa também pela desmilitarização das polícias e, ainda, pela unificação das polícias militar e civil Passa, na verdade, pela mudança de mentalidade dos comandos e dos comandantes das três Forças.
Não será a eliminação de todos os problemas, mas será o início da mudança das práticas de desmandos e de autoritarismo exercidas sobre a população, notadamente a de menores rendas, e, ainda, será o início da construção de uma nova mentalidade militar. A mentalidade de que as FFAA existem para servir à Pátria, não para tutelá-la.

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