Em 2008, o professor de Direito Penal da PUCRS e então procurador da República, Luciano Feldens, escreveu o artigo abaixo, contrapondo-se ao movimento "um dia sem imposto".
Preconizou-se, dias atrás, "um dia sem imposto". Pagar imposto não é algo que dê prazer. Especialmente quando assistimos a recorrentes escândalos políticos envolvendo apropriação e desvio de dinheiro público. Quando falham as instituições de controle, então, como anotou Zero Hora em recente editorial, a indignação se avoluma. E o ápice do desgosto parece estar na constatação de que não percebemos o retorno prestacional para a parcela que aportamos em impostos. Sobre isso, é preciso esclarecer algo: nós, assinantes de Zero Hora, ocupantes de uma posição socioeconômica privilegiada, jamais receberemos do Estado, individualmente, uma contraprestação na exata proporção do que pagamos. E isso é assim, infelizmente, porque deve ser. A Constituição de 1988 fixa como objetivos fundamentais da República a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais (art. 3º). A única maneira de cumpri-los em uma sociedade altamente estratificada a exemplo da nossa, em que o Estado não produz riqueza, é mediante a capilarização de um percentual dos recursos de quem a produz, destinando-o ao financiamento de políticas sociais que aproveitam, em especial, às camadas socioeconômicas inferiores.
Diferentemente do que ocorre em um condomínio, onde cada morador cumpre com sua cota e os serviços são coletivamente devolvidos na medida do orçamento ajustado (limpeza, manutenção, segurança), no domínio social a situação é bastante diferente. Nem todos são pagadores. A maciça maioria não é. Isso significa que pagamos por outros e para outros. Essencialmente para aqueles que, se não fosse a presença do Estado no financiamento e na gestão da saúde e da educação públicas, por exemplo, jamais teriam minimamente satisfeitas essas condições elementares de dignidade humana; à diferença de nós, eles não têm a alternativa do setor privado...
Em termos de política social, sempre se poderá fazer melhor. Muito melhor, talvez. Seja como for, enquanto persistir essa profunda desigualdade, a fórmula da redistribuição implicará, sempre, que paguemos mais do que individualmente possamos almejar em troca.
Assim, além de um dia sem imposto, talvez pudéssemos também cogitar: que tal "um dia sem Estado"? Recentemente, os Estados Unidos presenciaram esse dia, quando da passagem do furacão que assolou New Orleans, levando à total paralisia dos serviços estatais de socorro (bombeiros, ambulâncias, polícias). Resultado: além da potencialização da tragédia em si, um aumento vertiginoso de roubos, estupros e homicídios. No Brasil, se esse "dia sem Estado" vingar, pretendo não sair de casa. E por um exercício hipotético de solidariedade mesclada com egoísmo, vou torcer para que esse dia não seja aquele no qual está agendada, há meses, pelo SUS, a sessão de quimioterapia de minha empregada doméstica. Ela depende do sistema público de saúde (Estado). E eu dependo dela.
Interessante a reflexão, porém...
ResponderExcluirPorém, o exemplo utilizado para exemplificar a correta retribuição pelo que se contribui - o condomínio - também não serve para exemplo justo desta correlação entre contribuição/retribuição e, quem participa de condomínios bem o sabe.
Mesmo nos condomínios há casos em que alguns são mais beneficiados que outros. Por exemplo, na utilização do salão de festa. Aqueles que utilizam (e geralmente não pagam a mais pela sua utilização), além de usarem a água, a luz e o serviço de limpeza, pagos com a contribuição de todos os condôminos, muitas vezes ainda o utilizam de forma inadequada, quebrando utensílios. Não esqueçamos que nem todos o utilizam e, mesmo aqueles que o utilizam o fazem de maneira não igualitária. Uns utilizam mais, outros menos. A saída seria uma taxa de utilização. Algo que nem sempre é aprovada em assembleia por ser uma medida de justiça que deixa de beneficiar alguns privilegiados.
oCarancho#