quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O “mensalão” como operação de marketing e como golpe branco fracassado

Por Emir Sader

Mais além dos fatos concretos, a operação de marketing do “mensalão”
merece fazer parte dos manuais de marketing politico. Nunca na
história brasileira uma criação dessa ordem foi capaz de projetar e
consolidar imagens na cabeça das pessoas, que as impedem de entender o
fenômeno e avaliá-lo na sua realidade concreta, porque sua imaginação,
seus instintos, já estão vacinados e conquistados pelas imagens
projetadas pela campanha.
Uma jornalista da empresa da “ditabranda” entrevistou um dia a um
parlamentar, presidente de um dos partidos da base aliada do governo,
que teve uma das pessoas indicadas pelo partido para um cargo
governamental, pego em flagrante , filmado, com som, em operação de
suborno. O partido que o indicou – PTB – considerou que nao recebeu o
apoio devido por parte do governo e seu presidente resolveu ligar o
ventilador.
Disse que o governo pagava um “mensalão” a uma porção de gente. O
jornal imediatamente cunhou a expressão e deu inicio àquele tipo de
campanha cuja reiteração, por todos os órgãos da mídia privada,
transformou a insinuação numa verdade supostamente incontestável.
O que ficou na imaginação das pessoas era literalmente que indivíduos
chegavam no Palácio do Planalto com malas vazias, entravam numa sala
contigua à do Lula, enchiam de dólares e saiam, mensalmente. A
operação de marketing tornou-se um caso de manual de marketing, pelo
seu sucesso. A partir a insinuação de um politico sem nenhuma
respeitabilidade, se dava inicio à campanha, em que a oposição –
liderada pela mídia privada – considerava que terminaria com o governo
Lula.
Tudo foi se dando como bola de neve. O próprio jornal da família que
emprestou carros para órgãos repressivos da ditadura cunhou o selo
“mensalão”, com o qual cobria todas as atividades políticas nacionais.
Até a eleição interna do PT foi incluída nessa rubrica.
Condenou-se moral e politicamente a dirigentes e políticos ligados ao
governo, com o objetivo de ferir de morte o governo Lula, como
repetição muito similar à crise de 1954, que terminou com o suicídio
de Getúlio. Dois então membros da equipe do Lula chegaram – conforme
entrevista posterior de Gilberto Carvalho – a ir ao Lula, levando a
proposta opositora: todas as acusações seriam retiradas, inclusive o
suposto impeachment, contanto que Lula renunciasse a se candidatar à
reeleição.
Tinham receio de propor impeachment, pelas repercussões populares que
poderia ter, então preferiam usá-lo como ameaça. O tiro saiu pela
culatra. Lula reagiu dizendo que sairia às ruas para defender seu
mandato, convocava os movimentos populares a reagir à tentativa de
golpe branco.
A oposição, depois da cassação do Zé Dirceu, jogava, partindo do que
considerava evidências contra o governo, com a vulnerabilidade do
governo, alegando que Lula sabia dos fatos. Não foi o que aconteceu.
Conseguiram várias cassações, conseguiram diminuir o apoio do Lula
mas, principalmente, deram a pauta política do país.
O caso permitia desqualificar o Estado, o governo Lula, o PT. O
Estado, por definição, para a direita, é corrupto ou corruptível. O
governo Lula, o PT e os sindicatos teriam “tomado de assalto ao
Estado” e imposto seus interesses particulares. O diagnóstico foi
retirado diretamente do arsenal neoliberal.
Os governos de esquerda no Brasil – Getúlio, Jango, Lula – não
terminariam seus mandatos. Fracassado o governo Lula, se cumpriria o
prognóstico de um ministro da ditadura: “Um dia o PT vai ter que
ganhar, vai fracassar, aí vamos poder dirigir o país com
tranquilidade”.
Sob a forma do impeachment ou da renúncia de Lula a disputar um
segundo mandato ou, ainda, com sua eventual derrota, asfixiado pela
oposição – que já havia dito que sangraria o governo, até derrotá-lo
nas eleições de 2006 -, se daria um golpe branco e a esquerda estaria
desmoralizada e derrotada por um longo período.
Mas não contavam com a capacidade de reação de Lula e com os efeitos
das políticas sociais, já em marcha. O povo, com a consciência de que
era o seu governo e que sua eventual derrubada faria com que ele,
povo, pagasse o preço mais alto da operação da direita, reagiu. A
oposição foi pega de supresa pelas reações, que levaram à derrota da
tentativa de derrubar o governo. Mais do que isso, levaram à derrota
do candidato da oposição – o duro e puro neoliberal Alckmin –, porque
a oposição também foi vitima da sua própria campanha.
Como esbravejava o Otavinho, na primeira reunião do comitê de direção
da sua empresa: – Onde é que nós erramos?
Erraram porque acreditaram que eram onipotentes. Afinal foi a mídia
golpista que levou o Getúlio ao suicídio, que promoveu o golpe militar
que derrubou o Jango e que, acreditavam, levaria o governo Lula à
derrota e a esquerda à desmoralização.
Foram derrotados em 2006, em 2010 e tem todas as possibilidades de
serem derrotados de novo em 2014. Mais do que isso, tiveram que
reconhecer que o prestígio do governo vem de suas politicas sociais,
que transformaram democraticamente o Brasil. Que seu poder de fogo
como cabeça da oposição é decrescente, que entraram em decadência
irreversível.
Agora, sete anos depois, tentam ainda explorar o sucesso de marketing,
espremendo tudo o que podem, raspando o tacho da panela, buscando
voltar a pautar o país em torno do seu sucesso de marketing. Não se
dão conta que o país mudou, que desde então perderam duas eleições
presidenciais, que o Estado brasileiro reconquistou legitimidade por
suas políticas sociais e pela sua ação de resistência à crise
internacional? Que as mídias alternativas ganharam um poder de
esclarecimento da opinião publica, que não tinham naquele momento?
Mas não lhes restam outras armas, senão a de explorar o embolorado
tema do “mensalão”, para recordar como já foram bem mais poderosos no
passado. Seus outros argumento naufragaram: o Estado mostra eficiência
na condução do país, o livre mercado levou o capitalismo internacional
à sua pior crise em 80 anos, o povo reconhece que melhorou suas
condições de vida, apoia e vota no governo, as alianças internacional
da política soberana do Brasil projetam o país no plano internacional
como nunca antes, ao mesmo tempo que se mostram muito mais eficazes do
que o Tratado de Livre Comércio e a Alca que a direita pregava.
Em suma, a história avançou desde 2005 e na direção da derrota da
oposição, da criação de uma nova maioria politica no pais. A
permanência do monopólio antidemocrático dos meios de comunicação é a
arma principal de que a direita dispõe e está disposta a usá-la até o
fim, na sua derradeira encenação: o julgamento do “mensalão”.
Mas a história e a vida não se fazem com marketing. Nem mesmo mais
vender os produtos da sua mídia mercantil eles conseguem. Lula os
derrotou, demonstrando que se pode – e se deve – governar o país sem
almoçar e jantar com os donos da mídia. Porque Lula não teve medo da
mídia, condição –nas suas palavras – para que haja democracia no
Brasil.
A primeira vez a encenação teve ares de tragédia – não consumada pela
oposição. Esta segunda tem ares de farsa.
Eles passarão, nós passarinhos.
Emir Sader é escritor, sociólogo, mestre em filosofia política e
doutor em ciência política pela USP

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