Texto publicado na coluna Tendências / Debates do jornal Folha de S. Paulo, edição de 18/01/2011
Não sei de qualquer governo nacional que tenha se proposto a erradicar a miséria de seu país em quatro anos de mandato. Ainda assim, nossa presidente Dilma Rousseff apresenta essa meta como a fundamental do seu governo.
Não sei de qualquer governo nacional que tenha se proposto a erradicar a miséria de seu país em quatro anos de mandato. Ainda assim, nossa presidente Dilma Rousseff apresenta essa meta como a fundamental do seu governo.
Apesar de inédita, não lhe falta credibilidade, dado que o seu antecessor alcançou redução surpreendente da miséria em seus dois mandatos. Seja como for, a erradicação da miséria exigirá tal empenho da sociedade e do governo que só uma mobilização total de suas melhores forças a tornará realidade.
Miséria é pobreza tão extrema que suas vítimas frequentemente não sabem quando e nem de onde virá sua próxima refeição; moram ao relento, pois não têm trabalho e nem renda regular.
Vivem sujeitos ao acaso, como diz o povo, "ao Deus dará". Erradicar a miséria só pode significar transformar a vida dessas pessoas.
Não bastará lhes dar dinheiro para que possam adquirir ao menos o essencial à sobrevivência. Para que possam mudar de vida, será preciso que se convençam de que são capazes de se unir e juntos alcançar pelo trabalho padrões normais de vida.
A maioria dos muito pobres vive em comunidades situadas em bolsões de pobreza, e sua sobrevivência se deve em boa medida porque se ajudam mutuamente.
Esse é um instinto humano, que pode ser observado em ação em qualquer situação catastrófica: enchentes, terremotos ou incêndios.
A vida dos miseráveis é desastrosa: quase sempre correm perigo de perecer, do qual são salvos, às vezes, por uma mão amiga, que não raramente é a de outro miserável que o necessitado de hoje pode ter ajudado antes. Deixar a miséria pode representar, para a pessoa, abandonar uma normalidade cruel, mas à qual se acostumou, e se separar de companheiros de sina com os quais se sente protegido.
Para ele, a questão crucial pode ser: que alternativa de vida os que querem erradicar a miséria lhe oferecem? Possivelmente muitos dos que agora são miseráveis nem sempre o foram, mas por diversas circunstâncias perderam tudo.
Os que em consequência enlouqueceram ou ficaram dependentes de álcool ou drogas talvez não queiram voltar à vida que já tiveram, porque a perda dela lhes foi demasiado traumática.
Erradicar a miséria, do ponto de vista de seus beneficiários, é mudar profundamente suas vidas.
Para que aconteça, é indispensável que os seus beneficiários também sejam seus sujeitos, e não meros objetos; que eles possam optar por projetos que lhes exigirão empenho para conquistar um padrão normal de vida não apenas para si, mas possivelmente para uma família e uma prole.
Para tanto, será preciso que participem da elaboração dos novos projetos de vida e que recebam os recursos essenciais para realizá-lo.
Nos últimos sete anos, nós da Secretaria Nacional de Economia Solidária participamos diretamente de programas que permitiram ao governo Lula erradicar parte da miséria brasileira: o Fome Zero, a transformação de moradores de rua em recicladores de lixo organizados em cooperativas, de egressos de manicômios e penitenciárias em membros de cooperativas sociais, de trabalhadores sem terra em camponeses assentados, além de muitas outras comunidades socialmente excluídas.
Aprendemos que erradicar a pobreza é possível e, se assim o é, se torna eticamente necessário.
E que serão os pobres que se redimirão, é claro que com o auxílio dos poderes públicos e dos movimentos sociais.
Paul Singer é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina)
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