domingo, 12 de dezembro de 2010

Lulismo e seu futuro - 3º parte.

Mas, se a renda dos assalariados – e particularmente dos mais pobres – cresce num ritmo suficientemente acelerado para eliminar a pobreza em poucos anos, como se explica que a desigualdade caia devagar? Acontece que os ricos estão ficando mais ricos. A economista Leda Paulani tem assinalado que 80% da dívida pública estão em mãos de algo como 20 mil pessoas, as quais, sozinhas, recebem um valor dez vezes maior do que os 11 milhões de famílias atendidas pelo Bolsa Família. O sociólogo Francisco de Oliveira, por sua vez, chamou a atenção para os sinais de riqueza ostensiva revelados pela inclusão de mais de uma dezena de brasileiros na lista da revista Forbes dos mais ricos do mundo. De fato, basta abrir um jornal ou revista para deparar com notícias relativas à expansão do comércio de alto luxo em São Paulo.

Como
há indícios de que possa ter ocorrido certo achatamento nos ganhos da classe média, a persistência da desigualdade deve, realmente, decorrer do que é apropriado pelos muito ricos.
A queda lenta da desigualdade, em sociedades que partem de um patamar elevado e nas quais os mais ricos continuam a acumular riqueza, aponta para a dificuldade de atingir, no curto prazo, uma situação em que os seus membros tenham uma vida material “reconhecidamente similar”.

Mesmo mantido o ritmo atual de melhora das condições de vida dos menos aquinhoados, o Ipea calcula que em 2016 chegaremos a um indicador de desigualdade um pouco inferior àquele que dispúnhamos em 1960, quando foi aplicada a primeira pesquisa sobre diferenças de renda.

Ou seja, se for bem-sucedido o esforço no sentido de elevar o padrão de existência dos mais pobres nos próximos anos, o que está no horizonte é voltar ao ponto interrompido pelo golpe de 1964. Após duas décadas de um regime militar concentrador, e de outras duas décadas de estagnação, as políticas de redução da pobreza nos levarão de volta ao limiar de onde começamos a regredir. Não é coincidência que o salário mínimo tenha voltado, em 2009, ao patamar de meados dos anos 60.

A agenda de diminuição da pobreza e da desigualdade do governo Lula avançou por meio de uma estranha combinação de orientações antitéticas: de um lado, manteve linhas de conduta do receituário neoliberal e, de outro, adotou mecanismos de uma plataforma desenvolvimentista. Essa combinação sui generis de mudança e ordem explicaria por que o apoio político ao presidente, grosso modo, migrou da classe média para o subproletariado.

A combinação se deu ao longo de três fases. Na primeira, entre 2003 e 2005, predominou a ortodoxia: contenção de despesas públicas, elevação dos juros e reforma previdenciária que apontava para a redução de benefícios no serviço público. Era o pacote clássico de “maldades” neoliberais, voltadas para estabilizar a economia por meio da contração dos investimentos públicos e das atividades econômicas em geral.

Para além de mera opção técnica, o que estava em jogo era uma escolha política: evitar a radicalização por meio do atendimento das condições impostas pela classe dominante. Como afirmou o ex-senador Saturnino Braga: “Na transição, quando findavam os últimos meses de Fernando Henrique Cardoso, a inflação e a taxa cambial dispararam. Aquilo foi um aviso do capital.”

Ocorre que, quase ao mesmo tempo, houve um conjunto de iniciativas na direção contrária às soluções neoliberais. O lançamento do Bolsa Família, em outubro de 2003, foi seguido pela expansão do crédito popular, com o convênio assinado entre sindicatos e bancos no final do mesmo ano, e pela valorização do salário mínimo, iniciada em 2004. As três medidas deram a partida para a recuperação da economia por meio do fortalecimento de um mercado interno de consumo de massa.

A segunda etapa da política econômica começa com a passagem de Guido Mantega para o Ministério da Fazenda, em 2006, e se estende até a irrupção da crise financeira internacional, em 2008. A partir da chegada de Mantega ao centro das decisões econômicas, o lado popular do projeto de Lula, que ficara em desvantagem na primeira fase, ganha mais peso. Isso se reflete em uma elevação substancial do salário mínimo em 2006, com um aumento real de nada menos que 14%. A progressão do salário mínimo continuou ao longo do segundo mandato, com uma valorização estimada em 31%.

Entres os estudiosos do tema, observa-se uma convergência em torno da percepção de que no valor do salário mínimo encontra-se a chave para reduzir a iniquidade no Brasil. “O salário mínimo estabelece o piso da remuneração do mercado formal de trabalho, influencia as remunerações do mercado informal e decide o benefício mínimo pago pela Previdência Social”, assinala Sicsú. Quase 68% dos trabalhadores ganham apenas até dois salários mínimos, e uma parcela expressiva dos aposentados recebe um. Por isso, o sociólogo Simon Schwartzman afirma que “o salário mínimo foi o grande fator para a redução da pobreza”.

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