domingo, 12 de dezembro de 2010

O Lulismo e seu futuro - 2°parte.

De Andre Singer.


Outra menção aparece no fecho de um balanço da Presidência de Lula feito por dois economistas ligados ao governo, Nelson Barbosa e José Antonio Pereira de Souza. “A superação de dogmas recentes encontra paralelos em momentos nos quais os Estados das economias capitalistas centrais optaram pela ruptura de seus modelos de atuação”, dizem os autores. “Assim foi, por exemplo, com a g.i. Bill (1944) e com o Employment Act (1946).”[1] A segunda medida, em particular, teve um caráter duradouro. “Desde a Segunda Guerra Mundial, o governo federal havia reconhecido suas responsabilidades pela manutenção da economia em pleno emprego”, lembrou Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia.

Um terceiro exemplo vem da ciência política. Wendy Hunter e Thimothy
J. Power comparam o Programa Bolsa Família ao Social Security Act, com o qual, em 1935, Roosevelt instituiu o sistema de previdência pública. Hunter e Power vaticinavam, já em 2007, que o Bolsa Família poderia se tornar, como a previdência pública nos Estados Unidos, um “terceiro trilho” na política brasileira: aquilo que não se pode mexer, sob o risco de morte política.

A julgar pelas propostas dos candidatos à Presidência durante a campanha deste ano, Hunter e Power estavam certos: a oposição disse que queria dobrar o número de famílias atendidas pelo Bolsa Família, e ninguém falou em diminuir o benefício. Apesar das diferenças que os separam, os postulantes estavam envolvidos no clima rooseveltiano de criar no Brasil, em um “curto espaço de alguns anos” uma sociedade com base na classe média.

Tanto que Dilma Rousseff, do PT, propôs “erradicar a miséria” no espaço de um mandato. José Serra, do PSDB, falou em “partir para a erradicação da pobreza”. Marina Silva, do pv, elogiou o fato de 25 milhões terem deixado a linha da pobreza no período recente e disse que não mexeria na política que permitiu isso. Plínio de Arruda Sampaio, do psol, fez do combate à desigualdade o centro do seu discurso.

Mas em que medida há condições materiais para aplicar aqui o New Deal de Roosevelt? Até que ponto é verdadeiro o consenso em torno dessas metas? E qual resistência se deve esperar às políticas necessárias para transformar o projeto em realidade? Comecemos pelas condições materiais.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, entre 2003 e 2008 a pobreza extrema (rendimento médio domiciliar per capita de até um quarto de salário mínimo) foi reduzida de 15% para 10% da população. No mesmo período, a pobreza absoluta (rendimento médio domiciliar per capita de até meio salário mínimo) caiu em proporção semelhante, reduzindo-se o total de brasileiros nessa faixa de renda para 23%. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, os brasileiros abaixo da linha de pobreza eram metade da população. No governo Lula, caíram para cerca de um terço da população.

Em linhas gerais, os dados apontam que uma parte do sonho rooseveltiano –
o de construir uma sociedade em que (quase) todos estão fora da pobreza – está ao alcance dos dois próximos mandatos presidenciais. Não se trata apenas de uma expansão da classe média, pois o proletariado também aumenta. À medida que o subproletariado é incorporado ao mercado de trabalho formal e ao padrão de consumo “normal”, a base da pirâmide social passa a ser formada pelo proletariado, uma vez que não há outra classe abaixo dele. É possível que um proletariado mais antigo – uma espécie de aristocracia operária – se mantenha como uma fração de classe à parte, porém as diferenças relativas teriam diminuído.

Embora a redução da pobreza tenha significado também uma diminuição da desigualdade, esta parece responder com mais vagar às iniciativas governamentais. Num comunicado do início do ano, o Ipea observou que “o movimento recente de redução da pobreza tem sido mais forte que o da desigualdade”. Segundo Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, “somos o décimo pior país em distribuição de renda” no mundo. Para o especialista em finanças públicas Amir Khair, hoje “apenas 1% dos brasileiros mais ricos detém uma renda próxima da dos 50% mais pobres”. Por isso, segundo o economista Marcelo Neri, quando olhado desde o ângulo da desigualdade, a fotografia da sociedade brasileira é “ainda grotesca”.

 Alguns argumentam até que, por trás da vagarosa queda do índice de Gini, que mede o desnível entre os que recebem salário, haveria na realidade uma piora na repartição da riqueza entre o capital e o trabalho. Nessa lógica, uma maior equidade entre os que vivem do próprio trabalho teria sido compensada por um aumento da parcela apropriada pelos capitalistas sob a forma de lucros e dividendos.

Sinais disso seriam os largos gastos do Tesouro com o pagamento de juros e os polpudos lucros das grandes empresas ao longo do governo Lula. No entanto, de acordo com o Ipea, a participação do trabalho na renda nacional, que estava estagnada há quinze anos, também começou a aumentar. Em 2004, ela era de 31% do Produto Interno Bruto, e passou para 33% em 2007. Mais ainda: de acordo com as estimativas do economista João Sicsú, no ano passado ela deve ter voltado ao patamar de onde começou a cair em 1995: 35%.

Um comentário :

  1. Caro Tide.

    Parabéns pela postagem de um (sempre) perfeito estudo do Professor paulista André Singer.
    Há lamentar apenas a falta da citação da obra que acredito ser de alguma publicação do Partido dos Trbalhadores onde contumeiramente o prof. publica.

    Um abraço.

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