domingo, 5 de junho de 2011

Renato Rovai: A lógica da revolução no Egito foi a lógica da blogosfera

Felipe Prestes

O jornalista e editor da Revista Fórum, Renato Rovai, desembarcou no Egito poucos dias depois que o ditador Hosni Mubarak fora apeado do poder. No último sábado (28), durante o 1º #BlogProgRS, realizado na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Rovai explicou como o ativismo na internet ajudou a desencadear o estouro de manifestações que teve como epicentro a Praça Tahrir, no Cairo. O jornalista contou que um jovem fora torturado pela polícia egípcia e que imagens do ato de tortura vazaram na internet. Pensando em abafar o caso, Mubarak teve a ideia estapafúrdia de organizar uma festa popular na data que marca o dia da polícia egípcia. Jovens do Cairo combinaram que não deixariam a festa passar em branco. Pela internet, eles acertaram que iriam para as ruas, sem hora e local combinado, mas todos sabiam que iriam acabar se encontrando na Praça Tahrir.
Ainda assim, não é o fato de a primeira manifestação contra o governo do Egito ter sido marcada pela internet, e provocada por um vídeo que rodou a web, que faz com que Renato Rovai considere que a revolução egípcia teve a lógica da blogosfera (termo que o jornalista usa para designar todas as redes sociais). O editor da Revista Fórum contou no encontro de blogueiros que a revolução não teve líderes, nem foi controlada por partidos, sindicatos ou outras entidades. “Na praça, todos tinham direito à palavra nos carros de som, exatamente como na internet. Na mídia tradicional, um fala para muitos, bem como nos carros de som em que só líderes sindicais ou partidários têm direito à palavra. Na internet, muitos falam para muitos”.
Após sua participação no encontro, Rovai conversou com o Sul21 sobre a revolta no Egito, o envelhecimento das estruturas políticas tradicionais com a emergência da internet e a viabilização dos veículos de pequeno porte na rede mundial de computadores.
Sul21: Porque a lógica da revolução no Egito foi a lógica da blogosfera?
Renato Rovai: Isto não acontece por decisão de alguém. A cultura política, a cultura das construções de relação, está se alterando. Se você vê televisão o dia inteiro, você acaba se tornando um cara mais passivo, você aceita ser liderado. Quando você passa a atuar na internet, você começa a perceber que há outra relação: fala, interfere, discute, critica, debate, segue as pessoas que quer, não segue as pessoas que não quer. E fala na relação de muitos para muitos. Eu tenho certeza de que este tipo de ativismo influenciou na hora em que eles foram para a rua. Quem foi primeiro (à Praça Tahrir) foram estes jovens (que usam a internet para protestar). Eles construíram o primeiro dia da manifestação, e foram a partir da lógica que eles estavam acostumados a vivenciar na sua atividade militante.
Sul21: Tu comentaste no debate que o ativismo na internet explica o fato de a revolução egípcia não ter tido líderes.
RR: O fato de não ter líderes é exatamente porque a relação é de muitos para muitos, e não de um para muitos. Os ambientes de centro acadêmico, por exemplo, tinham presidente, vice-presidente, e isto já está mudando muito, uma série de centros acadêmicos não têm mais a figura do presidente, o comando é coletivo. Isto vai acabar acontecendo nos sindicatos. Uma amiga diz que isto é o fim da sociedade patriarcal. Pode ser.
Sul21: Tu poderias explicar porque disseste no encontro que os partidos, os sindicatos e outras organizações irão envelhecer se não se adaptarem à lógica da internet?
RR: Eu diria que já estão envelhecendo. Se você for ver as fotografias das diretorias de sindicatos na década de 1970 e agora, nos anos 2010, você vai ver que envelheceram não só nas ideias. A média de idade dos dirigentes hoje é muito maior do que há 30 anos, quando brotou a geração que derrubou a ditadura. Agora, não só as pessoas estão envelhecendo, mas as práticas políticas. Eu tenho dito para alguns colegas que são dirigentes sindicais: ‘A oposição que vai derrotar não será aquela dos mais radicais, que se organizam pelos meios tradicionais. Pode ser de direita, organizada pela rede’. Estes novos ambientes permitem que você organize em 20 dias uma chapa para diretoria sindical no Facebook. Aí você vai mudar a dinâmica. Não estou pintando um mundo lindo, estou dizendo que os instrumentos mudaram.
O envelhecimento é de cultura, de formas organizativas. As pessoas têm muito medo de perder poder, não distribuem. Faz uma coisa na internet, o sindicato diz: ‘Faz, mas não põe comentário, porque senão vão criticar a diretoria. Não pode’. É preciso conviver com a crítica. A internet é o ambiente da crítica, da divergência. Se você não permitir que as pessoas falem mal das coisas que você escreveu no seu blog, ele não vai para a frente. Neste sentido é que pode haver um envelhecimento destas estruturas, que não permitem o contraditório muitas vezes. Os jornais sindicais, por exemplo, têm espaço para os opositores? Não tem. Eles acham que se fizerem isto, eles perdem. Eu acho que não, que eles ganham, por não terem medo de debater suas ideias em um instrumento que é da categoria inteira.
Sul21: Como deve ser a viabilização financeira dos blogs e sites?
RR: O mercado mesmo vai permitir que isto aconteça de algum jeito. Há cerca de quatro anos, a fatia do investimento publicitário destinado à internet não chegava a 1% (no Brasil). Já está chegando a 5% do total do investimento publicitário. Nos Estados Unidos a fatia de investimento em meio digital já ultrapassou o impresso. No Brasil, o impresso bate na casa dos 19%, seria preciso quase quadruplicar o investimento na internet para alcançar o impresso. Alguma coisa vai acontecer para os blogs, mas a gente tem que lutar para que o estado democratize suas verbas de comunicação e faça, por exemplo, como faz na compra de merenda escolar. Para a compra da merenda, 30% são destinados à agricultura familiar. Por que não 30% da verba publicitária total não sejam dedicados à blogosfera, aos veículos independentes de comunicação, que não estejam associados a grandes grupos de comunicação? Sem corte ideológico, grupos de comunicação que tenham receita abaixo de ‘x’ milhões de reais podem participar de um processo de busca de uma fatia de 30% da publicidade. Se dá para fazer isto na agricultura, dá para fazer na comunicação também.
Sul21: Algo que foi bastante lembrado no encontro foi que o donos de blogs, ou de sites, muitas vezes, têm pruridos de receber patrocínio governamental, mas que a mídia tradicional já recebe muito dinheiro do governo federal.
RR: Sempre recebeu. Se o BNDES não aportasse recursos no Globo no primeiro ano de Governo Lula, a Globo provavelmente teria quebrado. Ela sempre recebeu recursos dos governos, não só na forma de publicidade, mas na forma de socorro quando ia quebrar. O Estadão idem, Folha também. Todos têm histórico de empréstimos governamentais.

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