Igor Natusch
Por enquanto, o caso do soldado de 19 anos, violentado sexualmente por quatro colegas dentro do quartel, em Santa Maria (RS), está sendo investigado apenas nas sigilosas instâncias da Justiça Militar. No entanto, se depender da esfera política, essa situação pode mudar em breve. “Queremos que esse caso seja apurado pela Justiça Comum”, declarou ao Sul21 o deputado Miki Breier (PSB), presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia gaúcha. Fazendo eco às declarações da ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, o parlamentar gaúcho aumenta a pressão sobre os militares, que preferem manter o espinhoso incidente dentro dos limites da caserna.
Segundo relatos, o clima era de incredulidade na reunião da comissão, ocorrida na manhã de terça-feira (1º). Os parlamentares receberam um documento da Câmara Municipal de Santa Maria, no qual os vereadores manifestam preocupação com a dificuldade em obter informações junto ao Exército. Em resposta, os deputados gaúchos enviaram ofício ao Comando Geral da 3ª Região do Exército, pedindo providências e maior transparência dos militares quanto às circunstâncias que envolvem o caso. “É inconcebível, por exemplo, que a família fique vários dias sem ser informada do que aconteceu com seu filho”, afirma Miki Breier. “Se for o caso, faremos uma diligência até o município, para conversar diretamente com os familiares e pedir esclarecimentos ao Exército”, afirma o deputado do PSB.
A agressão ocorreu no último dia 17. O soldado, que ingressou na corporação em março e no momento cumpria pena administrativa no Parque Regional de Manutenção de Santa Maria, foi rendido por quatro colegas de farda, que se revezaram na violência enquanto os demais mantinham o jovem imobilizado. O caso só viria à tona no final da semana seguinte, já que o soldado ficou internado durante oito dias no hospital militar do município, quatro deles sem ter contato nem mesmo com seus pais. Segundo advogados da família do agredido, ameaças e constrangimentos teriam ocorrido, além de uma verdadeira blindagem do caso por parte dos militares, sem que se tenha acesso a quase nenhuma informação.
Major garante que advogados terão “total acesso” a inquérito
Não é o que diz o major Roberto Brancaleone, encarregado pela 3ª Divisão do Exército para atender as solicitações da imprensa sobre o caso. “Os advogados (da vítima) estão tendo total acesso ao inquérito, podem participar das diligências sem problemas. Basta que apresentem uma procuração”, argumenta o major. Segundo ele, o segredo de justiça é importante para que haja uma apuração efetiva das circunstâncias que envolvem a denúncia. “No momento, não se sabe bem o que aconteceu”, diz o militar. “Um sargento falou com o garoto (vítima), fez a denúncia e a partir daí foi aberto o inquérito. O objetivo é justamente esclarecer o que aconteceu”, acrescenta.
O inquérito militar foi aberto no dia seguinte ao incidente e tem prazo de 40 dias para conclusão. Até lá, os acusados de envolvimento permanecem livres, exercendo normalmente suas atividades. Segundo o major, não houve flagrante, de forma que o afastamento seria uma espécie de punição prévia aos soldados. Uma coisa, no entanto, é certa: o jovem que sofreu os abusos não retornará ao Parque Regional de Manutenção. “No momento, ele se encontra dispensado para ficar na residência de seus pais”, explica o major Brancaleone. “Terminando o inquérito, ele será transferido para outra unidade, aqui em Santa Maria. Seja qual for o resultado (da investigação), pode haver constrangimentos”.
O militar não comentou sobre as denúncias de que a família do agredido teria sofrido pressão de militares, insinuando que o sexo havia sido consentido e dando a entender que o jovem era portador do vírus HIV. Também não falou do suposto isolamento da vítima, que não teve contato nem com os pais nos primeiros dias após a violência. Segundo ele, essas questões serão tratadas exclusivamente no inquérito, não havendo o que informar a respeito no presente momento.
Familiares teriam sido informados de “mal súbito”
Segundo o advogado Lauro Bastos, que defende os interesses do jovem violentado dentro do quartel, a família está “arrasada” e a vitíma recebe acompanhamento psicológico para lidar com o trauma da agressão sofrida. Para garantir a apuração dos fatos, os advogados registraram ocorrência na Polícia Civil e solicitaram exame de lesões corporais, que teria comprovado o abuso sexual contra o soldado. Como os vereadores de Santa Maria que encaminharam ofício à Assembleia, os advogados também reclamam da dificuldade em obter informações junto ao Exército, o que teria motivado entrega de pedido formal à Procuradoria da Justiça Militar. Para a própria família, a primeira informação não dava contra da violência sexual, dizendo apenas que o jovem havia sofrido um mal súbito durante uma atividade interna do quartel.
“O Exército precisa responder à sociedade sobre o que aconteceu”, insiste o deputado Miki Breier, presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia do RS. Para ele, é inadequado manter qualquer tipo de sigilo sobre esse incidente. “Não é um caso de mau comportamento, uma coisa que pode ser tratada por procedimentos internos do Exército. É um caso gravíssimo, que pode até manchar a imagem de uma instituição muito importante para o país. Não pode ficar restrito ao foro interno”, reforça.
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