Igor Natusch *
Até ser interrogada pela reportagem doSul21, a ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, não estava inteirada das circunstâncias que envolvem o abuso sexual sofrido por um soldado dentro do quartel, em Santa Maria, descoberto no final da semana passada. Chocada, operou rapidamente nos bastidores, consultando até mesmo alguns advogados, até chegar a uma conclusão: o caso, que por enquanto está apenas na esfera militar, deveria estar sendo tratado na Justiça comum. “Trata-se de um crime comum, cuja responsabilização deveria se dar na Justiça comum e exclusivamente na Justiça comum”, disse a ministra com exclusividade, durante seminário estadual sobre convivência familiar e comunitária em Porto Alegre.
O incidente ocorreu no dia 17, quando um soldado foi estuprado por outros quatro colegas, enquanto cumpria pena administrativa no Parque Regional de Manutenção de Santa Maria. O caso só veio à tona dias depois, já que o soldado ficou oito dias internado, quatro deles sem ter nenhum contato com seus familiares. “Não podemos aceitar que um jovem tenha sofrido o que, de fato, foi um estupro e se passem quatro dias sem que a sua família tome conhecimento”, indignou-se Maria do Rosário. A ministra prometeu cobrar de forma enérgica as autoridades militares sobre o caso. “Vou conversar com o Comando do Exército. Os comandantes (do regimento) vão ter que responder por isso”, garantiu.
Por ter acontecido no âmbito da caserna, o crime está sendo conduzido internamente, em um inquérito militar. Mas a ministra garantiu que vai acompanhar de perto toda a investigação. “O código penal brasileiro, quando trata de crimes sexuais, já não concebe mais a ideia de atentado violento ao pudor. Todo tipo penal é conformado como estupro. A existência da figura penal do atentado violento ao pudor no código militar já demonstra um equívoco imenso no ordenamento jurídico brasileiro”, argumenta Maria do Rosário.
Corpo de delito confirmou violência sexual
O soldado teria sido rendido por quatro colegas, que se revezaram nos abusos enquanto os demais seguravam o agredido. Após a violência, que teria sido denunciada no dia seguinte por um sargento, o jovem ficou oito dias internado no hospital militar, sendo liberado no último dia 25. Durante metade desse período, o soldado não teve nenhum contato com seus familiares, que não sabiam sequer que o crime sexual havia ocorrido. Quando foi ao hospital visitar o filho, a mãe do jovem teria recebido ameaças veladas, além de insinuações de que o sexo teria sido consentido e que o jovem violentado era homossexual. Segundo a família, a alegação foi de que o soldado era maior de idade e só ele poderia decidir se queria comunicar ou não seus pais a respeito do incidente.
“A família está arrasada”, diz Lauro Bastos, um dos advogados que defende o soldado e seus familiares. Segundo ele, o jovem está recebendo acompanhamento psiquiátrico para lidar com o trauma decorrente da agressão que sofreu. A defesa solicitou na segunda-feira (30) a transferência do rapaz para outro quartel, já que no momento ele continua lotado no Parque Regional de Manutenção, onde o crime foi cometido. Os advogados aguardam também uma resposta sobre o pedido feito à Procuradoria da Justiça Militar, no sentido de que os representantes do jovem tenham pleno acesso às investigações.
De acordo com o advogado Lauro Bastos, o exame de lesões corporais, solicitado pela família da vítima, comprova a violência sexual. No entanto, a defesa dos agressores pode alegar que o ato foi consentido, o que é negado com veemência pelo jovem. Quanto às ameaças, o advogado adota uma postura de prudência. “As denúncias foram feitas pela família”, admite, “mas a apuração sobre esses eventuais constrangimentos deve ser feita durante o inquérito da Justiça Militar”.
Os acusados seguem normalmente em suas atividades, já que não houve flagrante. Os soldados envolvidos no estupro foram incorporados em março, junto com o agredido, e encontram-se em serviço temporário. A investigação da Justiça Militar corre em sigilo e tem até 40 dias para ser concluído. Mesmo com o inquérito militar, os advogados registraram a ocorrência na Polícia Civil, o que mantém em aberto a possibilidade de desdobramentos na Justiça comum.
De qualquer modo, causa estranheza aos advogados o longo período em que o jovem foi mantido no hospital, além da dificuldade em obter informações junto aos militares. “São oito dias internado, sem nenhuma justificativa razoável”, critica. “O acesso (a informações) é muito fechado, tanto em relação aos exames (feitos no hospital militar) quanto aos procedimentos dentro do próprio quartel. Temos o dever de buscar esclarecimentos sobre tudo isso, e isso vai ser feito”.
Em declarações anteriores, autoridades militares garantiram que não havia esforço algum em esconder informações sobre o caso. Procurado pelo Sul21, o Comando Militar do Sul não fez declarações sobre o caso, já que o expediente do dia encerra-se às 17h.
Um outro incidente envolvendo soldados gaúchos ganhou amplo destaque em parte da imprensa gaúcha durante a semana. Soldados da unidade militar de Dom Pedrito gravaram e divulgaram um vídeo no qual aparecem dançando ao som de um arranjo funk do Hino Nacional. Os envolvidos, que podem ser indiciados por desrespeito aos símbolos nacionais e receber até dois anos de detenção, seguem normalmente suas atividades.
* Com colaboração de Rachel Duarte
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