terça-feira, 31 de julho de 2012

Batman vive!

 Batman vive!, por Flávio Tavares*
 .

 Aquele rapaz de 24 anos, aluno de doutorado em neurociências numa universidade dos Estados Unidos, que se mascarou de Batman e, num cinema, disparou a esmo com um fuzil automático, o que é, afinal? Um demente que matou 12 pessoas (entre elas uma criança de seis anos e a mãe grávida) e feriu 58? Ou mais um demoníaco personagem na extravagante história de crimes naquele país? Prevê a imprensa norte-americana que ele será sentenciado à morte, até mesmo para intimidar eventuais imitadores, mas de onde ele absorveu tanta maldade? De onde surgiu o horror?

Seu mestre não pode ter sido Batman. O Homem Morcego (como diziam os quadrinhos dos anos 1940) é um herói, um justiceiro humanista em luta contra o mal, nunca um vingador do absurdo ou um assassino voraz. Mas Batman é uma das fantasias do bem que povoam um mundo real de dura competição num país fundado na violência, que exterminou quase toda a população nativa, que se armou e guerreou sempre, que invadiu o vizinho México e anexou as partes mais ricas do território só porque lá abundava o petróleo. Aurora, no Estado do Colorado, é uma dessas antigas vilas mexicanas, agora tristemente universalizada pela tragédia.
Esses crimes em que o assassino nem conhece as vítimas e mata por matar têm sido comuns nos EUA. Até o assassinato coletivo de um ano atrás, na Suécia, foi diferente: o criminoso era um direitista que matou para protestar contra o governo socialista por aceitar imigrantes negros.
Qualquer dia, nos EUA, até o ratinho Mickey sai a caçar humanos ao acaso! Lá, vendem-se armas em qualquer lugar, como aqui se vende refrigerante. Por trás do moço de Aurora há mais de dois séculos de violência habitando o inconsciente coletivo. As centenas de milhares de civis mortos em Hiroxima e Nagasaki pelas bombas atômicas dos EUA compõem o quadro moderno da violência em que matar não é crime, mas “defesa”. Na África e no Oriente, diferentes governos e empresas dos EUA alimentam a morte vendendo armas e fomentando a rivalidade entre grupos étnicos.
Os EUA tornaram-se superpotência especializando-se na arte de matar e destruir. A bomba de nêutrons foi a simbiose do militarismo e do capitalismo: mata as pessoas, preservando os bens, como se isso servisse aos mortos... Toda a grande pesquisa tecnológica está centrada nas armas e destinada a destruir. Só depois de provada na morte, começa a ser aplicada à vida. Até a internet (a maravilha que aproximou o mundo) nasceu da necessidade de controlar o cosmos na Guerra Fria. A precisão da eletrônica, dos foguetes teleguiados que percorrem de um a um os cômodos de uma casa, desenvolveu-se para destruir. Foi provada, primeiro, na Guerra do Golfo e, anos depois, ampliada no Afeganistão e no Iraque.
Nem essa sofisticação, porém, evita que centenas de milhares de civis, crianças inclusive, sejam mortos pelas tropas dos EUA nesses dois países, por “erro técnico” ou simples “vingança”. Ninguém é responsabilizado por isto.
Na era moderna, a tecnologia é que mata. O combate corpo a corpo, à baioneta ou fuzil, é velharia da Segunda Guerra ou, hoje, coisa de africanos e asiáticos. Agora, aperta-se um botão e se cumpre o que o computador ordena diretamente da White House ou do Pentágono. Matam-se civis “em defesa” dos que guerreiam.
Tudo parece magia, como nas andanças de Batman. O selo do poder faz de quem mata um herói. Por que pensar, então, que o mocinho de Aurora é só um demente? Por que não pensar, também, que a História do seu país lhe serviu de guia e que, na loucura, nem veja que escureceu a luminosidade da aurora?
*Jornalista e escritor

Nenhum comentário :

Postar um comentário