domingo, 24 de abril de 2011

Contra aprovação do fim da Lei da Anistia, Eleuterio Huidobro renuncia ao Senado uruguaio



Senador Eleuterio Huidobro - Foto: Ricardo Antúnez/ADHOC
Inconformado com a aprovação do fim da Lei da Anistia pelo Senado uruguaio, na noite dessa quarta-feira (13), por 16 votos a 15, o senador governista Eleuterio Fernández Huidobro renunciou ao cargo, lendo uma carta de despedida. O projeto de lei, de autoria do governo, será agora votado na Câmara dos Deputados, onde a situação tem 50 das 99 cadeiras. Se a Lei da Anistia for mesmo extinta, os militares acusados de violações de direitos humanos no período de ditadura militar no país (1973-1985) ainda poderão ser punidos.
O motivo da discordância dos opositores do projeto – incluindo aí alguns governistas como Huidobro – é que consideram que a anulação da Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado, de 1986, vai contra a vontade da população, que, por meio de plebiscitos realizados em 1989 e 2009, referendou a anistia.
Ex-guerrilheiro tupamaro, Huidobro afirmou, durante a sessão plenária (que se estendeu por mais de 12 horas) que só votaria a favor do projeto de lei por questão de disciplina partidária. Disse também que logo depois renunciaria, para garantir seus direitos e sua liberdade. Também ex-guerrilheiro, o presidente do Uruguai, José Mujica, afirmou que Eleuterio fez o que deveria. “Vim dar um abraço em meu velho companheiro, com quem militei 40 anos”, declarou Mujica ao visitar o senador em seu gabinete.
Leia a seguir a íntegra da carta de renúncia.
Adeus ao Senado
Por Eleuterio Fernández Huidobro | * |
Senhor Presidente, vou ser muito breve. Eu só quero comunicar duas coisas: a primeira delas é que, aliás, como já é notório, vamos votar com a bancada por disciplina partidária. E a segunda é que vamos renunciar à cadeira no Senado.
A unidade de ação é um bem precioso e muito valioso para ser ignorado neste momento. Especialmente para uma força política como a Frente Ampla. Nosso voto está à inteira disposição da Frente Ampla para garantir os direitos e a liberdade da maioria. Porque convém lembrar que as maiorias têm direitos e devem gozar de sua legítima liberdade.
A segunda coisa é que devo comunicar minha renúncia ao Senado.
Não deve escapar, Senhor Presidente, à sua fina percepção política que não nos resta outro caminho. Vou fazê-lo para que assim possa garantir os meus direitos e, fundamentalmente, a minha liberdade. Esta é a única maneira de fazer quando somos militantes e temos convicção do que é organização partidária e de pertencer.
O papel muito particular que nós desempenhamos nesta história nos obriga fortemente. Muito pessoalmente.
Cada ser humano é um produto da sua vida, e a nossa é aquela que nos tocou viver. Este é um assunto intransferível.
Porque muito além de coincidências ou divergências jurídicas sobre um texto de projeto de lei, trata-se de acatar o mandato popular ou, em seu defeito, chamá-lo novamente para consulta.
Senhor Presidente, não somos mais do que ninguém, mas ninguém está à direita na luta contra a lei da impunidade ou contra as impunidades. Tal como nós, são todos. Mais do que nós, ninguém.
Nossa já histórica tendência política, é sabido, senhor Presidente, votou em 1984, como hoje, na mais absoluta minoria e em franca, aberta e total divergência dentro da Frente Ampla quando tratamos do Pacto do Clube Naval. E acatamos aquela decisão.
Em 1986, fôramos dos primeiros a chamar a população para colher assinaturas contra a Lei de Impunidade, e colocamos todas as nossas energias e os nossos máximos recursos materiais.
E ante as ameaças e grosserias. Depois o quê? E frente à feroz campanha no sentido de que nós, muito precisamente nós, quase pessoalmente nós, não iríamos acatar o resultado, se este fosse adverso, negativo, respondemos milhares de vezes, em eventos públicos em todos os cantos do país e em inúmeros meios de comunicação de todos os tipos, que iríamos acatar o resultado. Também fizemos a mesma afirmação em cada porta, em cada casa a que fomos pedir assinatura e depois o voto de cada vizinho.
E, finalmente, Senhor Presidente, em termos de castigo contra os violadores dos direitos humanos, não estamos à direita de ninguém; devemos lembrar que não estivemos presos por tantos anos por simplesmente estacionar irregularmente uma moto… É por causa disso e por isso que não fomos anistiados.
As divergências com o presente texto de Projeto de Lei são essencialmente jurídicas, mas também se referem a questões de fundo. E nos levam ao temor de que, por seus defeitos, este Projeto de Lei, que agora se tornou Lei, não possa atender com o que se propõe e sequer com a expectativa que criou.
Mas o centro da nossa principal divergência é com o fato de não se convocar a população. Seja qual seja o texto da lei, para além dos debates jurídicos que, aliás, são muito importantes: é imperiosa a necessidade de convocar o povo.
Faz cinco meses que a direção nacional do CAP-L tornou publica uma declaração que passo a citar:
“Queremos reafirmar que a solução jurídica e política para esta questão deve ser necessariamente em respeito a nossa Constituição e aos princípios do nosso ordenamento jurídico, devendo, necessariamente, ser apoiada através de uma manifestação popular de democracia direta.”
A Suprema Corte de Justiça esteve e está em seu pleno direito, em seu juízo perfeito, e em sua esfera específica ao se manifestar.
O Parlamento também.
Mas as pessoas que tantas vezes convocamos também estão em seu pleno direito, em seu juízo perfeito e em sua esfera específica.
Alem do mais, aqui neste Parlamento, tratando-se como se trata de assuntos eminentemente políticos em um ambiente político, é impossível não referir à soberania popular direta.
Que não é contraditória com qualquer dos três poderes do Estado, e mesmo que fosse, iria mostrar uma imagem da realidade a que não podemos escapar.
Afirma-se que “há crimes que não podem ser plebiscitados”…, não tivéssemos chamado a referendum. E se fizemos isso duas vezes, não vejo por que não fazê-lo novamente e argumentar frente à consciência das pessoas.
Alega-se que a manifestação da “Corte desta vez disse que a Lei da Impunidade é inconstitucional…”. Melhor ainda, coloquemos este formidável argumento nas mãos das pessoas para sua consideração. Qual é o problema?
O mesmo poderia dizer em relação a tudo que se afirmou sobre consultar o povo.
Em suma, o que for dito, e com qualquer argumento que for: temos que consultar as pessoas.
Se diz, e com razão, dentro da nossa força política que temos que acatar o mandato da maioria. Eu acho que sim, e por isso estamos votando com a maioria: por disciplina.
Mas a maioria das pessoas também foi duas vezes. É a suprema maioria. E neste caso não podemos e nem devemos pedir liberdade de ação.
Estamos submergindo em uma profunda e grave contradição.
Este instrumento, o plebiscito, é fundamental neste país: foi com ele que derrotamos a ditadura. No plebiscito de 1980, as condições eram muito duras, nós aceitamos e vencemos. Não vale argumentar outras coisas.
Depois fomos para muitos outros exemplos de democracia direta, juntamos ou não as assinaturas suficientes, estávamos certos ou errados, mas lutamos. E quando conseguimos juntar as assinaturas, quando conseguimos convocar a população, às vezes perdemos, em outras ganhamos.
E acatamos.
Amanhã, este governo, este Parlamento ou estas pessoas podem precisar vitalmente deste mesmo instrumento em que agora estamos desacreditando.
Depois de três históricas vitórias eleitorais: 1989, 2004 e 2009, que conquistamos baseados exclusivamente no veredicto popular, essa mudança é um erro grave. Afirmamos isto com o maior respeito a todas as forças políticas da Frente Ampla. E, sem perder de vista o afeto e o companheirismo.
O que nós sentimos é o dever e a responsabilidade de alertar os companheiros de um erro irreparável, com graves consequências.
Deixamos esta casa para multiplicar nossa militância, sem medo de retaliações, para apoiar a Frente Ampla e o companheiro Mujica.
Saímos reconhecendo que o Parlamento é a instituição mais importante do país. E sem dúvida, a instituição mais violentamente atacada.
Vamos continuar nossa militância de toda uma vida. Sobram lugares, sobram situações, e há motivos de sobra para isso.
Senhor Presidente, não lhe entrego neste momento minha carta de renúncia, porque antes desejo apresentá-la aos meus companheiros da CAP-L e ante meu presidente Mujica. Dentro de alguns dias, salvando a proverbial semana da Páscoa e obtendo a proverbial vênia, levarei em frente esta formalidade.
| * | O escritor, senador.

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